quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Babuska Multiocular

Babuska Multiocular

Ida Mara Freire*

Se leio com prazer uma “tese”, é porque foi escrita no prazer. “Escrever no prazer me assegura – a mim, escritor – o prazer de meu leitor? De modo algum, assegura Barthes. Esse leitor, é mister que eu o procure ( que eu o “drague”, sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica criado. Não é a “pessoa”do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo.”


Ao ler a tese de Ana Beatriz Bahia Spinola Bittencourt intitulada Jogando arte na Web: educação em museus virtuais, orientada pelo professor Wladimir Antônio da Costa Garcia e defendida na tarde de vinte um de agosto de 2008, ocorreu a imagem da “Babuska”, tanto pelo processo de formação da autora dentro do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC, considerando os vários momentos que submeteu seu texto para apreciação, como também, pelo estilo de escritura dessa última versão.

O que me chama atenção na Babuska é a sua multiplicidade acolhedora, seus espaços, o encaixe, e a revelação do outro dentro de si. Deste modo, para compreender seu texto deve se aplicar a “Lei dos Espaços em Branco”. Conta-nos Laurence Freeman que um rabino foi abordado por um grupo de alunos seus que haviam discutido entre eles o significado de uma parte difícil da Torá. Ele pediu-lhes que lhe mostrassem a página e, então perguntou o que viam ali. As palavras sobre as quais discutíamos, responderam eles, as marcas negras na página. Certo, respondeu ele, as palavras contêm a metade do significado. Os espaços em branco entre as palavras são o local onde se deve encontrar a outra metade do significado.” Para esse momento vou me deter no espaço multiocular presentes em seu texto-babuska .

Babuska I: Olhar nômade migra-se em busca de um lugar entre o certo e o incerto do ato de educar, trânsito gustativo de bolhas de ar de um chocolate aerado, saboreia uma sensibilidade aguçada como o tato de Gadamer que nos ensina que a “tradição é algo que só pode ser conhecida pela experiência coletiva”- Deglutição.

Babuska II: Na leitura do Campo 1 “outros sentidos” transformam o olhar em um olhar tátil: do ver melhor para o ver diferente, de modo que a diferença aqui tem sua vez.

Babuska III: O olhar atual do museu virtual fez a autora voltar a origem, um revoar sugestivo, do tipo de “viver de trás para frente”, isso pode causar assombro como aconteceu com Alice, “porém, existe uma grande vantagem nisso”, palavra de Rainha. É isso que se propõe a quem ler esse texto: perceber as vantagens de se aprender arte, inclusive na web. Longe de tentar seduzir o leitor e a leitora dos benefícios da virtualidade, o que temos é um convite dadivoso da arte em museus. Também não se trata de Arquivos da memória com a versão na web como o site-arquivo. Mas, sim do museu como um lugar de sustentação da consciência finita. Nesse lugar as obras de arte são porosas aos afetos do espectador.

Babuska IV: Olhar labiríntico. O paradigma do ver sem olhar de Oiticica. O museu é o mundo “(...) as pessoas não se constrangem diante do que as espera, estão disponíveis ao que as circunda e disposta a explorar o desconhecido, então acham “coisas”que costumam ver, mas que jamais pensavam procurar, e procuram a si nessas coisas.” Complementarmente, Jordan Crandall ao comentar sobre o Parangolé escreve: “Vestir”o Parangolé ou a interface do computador ( ou o ambiente que aparentemente está por trás dela) é fundir corpo e tecnologia, a fim de entender corpo e sociabilidade e integrar sujeitos, corpos e formações sociais em um processo de construção e habitação do espaço.”

Babuska V: O olhar inquisidor- Se o museu é o espaço de enfrentamento da morte, como reflete Ana Beatriz com Mário Chagas, o jogo de Bosch se mantém coerente com tal proposição. “Ao trazer a possibilidade do jogador imergir num ambiente pautado por valores e práticas com as quais Bosch se relacionou enquanto construía suas obras”, dentre elas as decisões individuais frente à sentença final.

Babuska VI : O olhar do amor: o museu como um lugar de histórias que contém outra história que contém outras histórias... que nos mantém vivos. “E a aurora alcançou Sherazade, que parou de falar. Dinarzad lhe disse: “Como é agradável e prodigiosa a sua história, maninha”. Ela respondeu: “Isso não é nada comparado ao que vou contar-lhes na próxima noite, seu eu viver e se Deus altíssimo quiser”. Michel Foucault ao pensar em as Mil e uma noites comenta que: “falava-se, narrava-se até o amanhecer para afastar a morte, para adiar o prazo deste desenlace que deveria fechar a boca do narrado. (...) é o avesso encarniçado do assassínio, é o esforço de noite após noite para conseguir manter a morte fora do ciclo da existência.” - Eis que chegou o tempo de jogar conversa na web por puro prazer.

A tese se encontra disponível na biblioteca do Centro de Ciências da Educação da UFSC e no site do programa http://www.ppge.ufsc.br/

Lista de alguns links para 7 jogos de museus de arte. Eles foram abordados na tese e permanecem online:

“A terceira face da carta” (Arthur Omar e Matteo Moriconi), Museu Virtual de Arte Brasileira: http://www.museuvirtual.com.br/jogos/memo_ao.html
“Los enigmas de Educa Thyssen”, Museu Thyssen Bornemisza de Madri: http://www.educathyssen.gentedemente.com/fases.php
“Guido contra el señor de las sombras”, Museu Thyssen Bornemisza de Madri: http://www.educathyssen.org/pequenothyssen/aventuras2.html
“Memento Mori”, Tate Gallery de Londres: http://www.tate.org.uk/kids/mementomori
“Art Dectetive: the case of the mysterious object”, Tate Gallery de Londres: www.tate.org.uk/detective/mysteriousobject.htm
“Dutch Dollhouse Interactive”, National Gallery of Art de Washington: http://www.nga.gov/kids/zone/zone.htm#dollhouse
“Wildlife Art”, National Gallery of Art de Washington: http://www.wildlifeart.org/Frame_HomePage.cfm


(*) Professora do Centro de Ciências da Educação da UFSC

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