terça-feira, 26 de maio de 2009

Aprecie o Múltipla Dança - Notações

Notações para apreciar o Múltipla Dança
Por Ida Mara Freire (*)
Quem pode apreciar a dança? Apreciar está associada ao ato de dar valor a, ter em apreço, estimar, prezar, ter consideração por. O Múltipla Dança está repleto de atividades para o expectador vivenciar a experiência estética, que pode ser um deleite para uns e desafios para outros, só não vale a indiferença. Este evento propõe uma programação com o intuito de deixar na agenda cultural de Florianópolis uma marca indelével. As organizadoras do evento Marta Cesar e Jussara Xavier convictas de que o encontro é de relevância para a profissionalização da dança local, salientam “aproveitem este tempo-espaço.” É atenta a esse convite desejoso de receptividade que busco oferecer algumas razões para que a pessoa que aprecia ou quer apreciar essa experiência tão peculiar que é a dança, participe, desfrute desse Seminário que resiste brava e criativamente as intempéries econômicas, políticas e culturais. Então, aproveite e desperte a sua curiosidade para a diversidade de contextos, imagens, diálogos e dança. O Múltipla vai apresentar uma série de atividades relacionadas ao Ano da França no Brasil. Aguce sua percepção. Atente-se para um gesto sutil, o figurino, a iluminação, a cenografia dos distintos espetáculos de dança. Veja, escute, cheire, prove, saboreie, toque, perceba como essas sensações podem ser elementos da composição coreográfica. Esteja aberto para aprender. A dança contemporânea é uma oportunidade para conhecermos outras possibilidades de comunicação tais como as disponibilizados no Lounge do Acervo Mariposa. Aprofunde seus conhecimentos acerca do vídeodança ao participar da amostra Sul Americana do Dança em Foco. Compreenda ao prestigiar os Diálogos como a ação política e a economia afetam a dança, e como ocorre o processo individual de criação que vai do corpo à cena. A dança é sempre um convite de ver movimentos comuns em contextos distintos e criar movimentos originais em lugares comuns. Mas, isso só tem graça se for compartilhado, sem a sua presença a dança não acontece, seu olhar é que sustenta o gesto do artista. Apreciar a dança demanda uma disposição de buscar compreender como, para onde e com quem se movimenta isso já é assunto para outra notação. Aprecie o Múltipla...

(*) Professora
idamara@ced.ufsc.br
publicado no Jornal Notícias do Dia em 26 de maio de 2009

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Jornadas em dança

A coragem de Ser: a dança enquanto jornada existencial


No princípio... a quietude, o silêncio e a simplicidade;
Vivenciar a quietude do corpo,
O silêncio da voz,
E a simplicidade do pensamento;


Criar a própria dança exige coragem e criatividade. Requer empreender a uma jornada de volta ao começo. Despertar os sentidos, as emoções, novos movimentos e as sensações. Redescobrir o sentido da vida, explorar o espaço sagrado e celebrar a existência. Neste processo examina-se o tempo vivido como expressão criativa. Deste modo, descrevo como a dança, enquanto jornada existencial, oferece uma compreensão privilegiada acerca da coragem de ser, a coragem de criar e a coragem de amar. A experiência envolve o corpo, a mente e o espírito; ou seja, a dança, a reflexão e a meditação. São dez encontros com a duração de aproximadamente 50-60 minutos. Durante o intervalo de uma semana para a outra é proposto um conjunto de atividades criativas - por exemplo, escrita de um diário, recorte e colagem, desenho, dentre outras - com intuito de elaborar o trabalho corporal e preparar para a etapa seguinte. Trata-se de uma experiência lúdica, prazerosa e profunda com vistas ao bem-estar proveniente do auto-conhecimento. Até o momento foram aproximadamente 30 as participantes que fizeram as jornadas em dança. Sumariamente apresento o conteúdo do processo que será descrito mais detidamente a seguir. As cinco primeiras jornadas compreendem o momento de entrar no casulo, tecer ao redor de si mesma e conhecer o espaço vital. Voltar ao começo, despertar os sentidos, descobrir os movimentos e outras sensações, perceber o corpo como dádiva: a dança como coragem de ser. Na sexta e na sétima jornadas busca-se redescobrir o sentido da vida, recriar a própria existência: para isso é necessária a coragem de criar. Nas três últimas jornadas entrelaçam-se o feminino e o sagrado, celebramos a existência em sua plenitude e beleza: a liberdade do vôo exige a coragem de amar.



6.4.1 Jornada I: Kinesfera - O espaço Vital


Sumário
A ação criadora investida na Primeira Jornada é conhecer o espaço vital. Partimos da noção de kinesfera, definida por Rudolf Laban (1879-1958) como a esfera do movimento ao redor do corpo É a esfera pessoal de movimento da qual nunca saímos, está sempre conosco, como uma carcaça. A kinesfera externa tem relação com a pele A interna tem relação com o esqueleto. A kinesfera média tem relação com os músculos. É gestual e formal. William Forsythe, propõe a noção de múltiplas kinesferas em diferentes partes do corpo, correspondendo a novos e diferentes centros do corpo (Rengel, 2000). O solo do casulo propõe as participantes dançar numa esfera escura. Buscar em seu corpo os registros, os traços gestuais, os fios existenciais e tecer com movimentos interligados, formando um bela trama, um aconchegante casulo. Um lugar que irá acolher, proteger, abrigar e transformar. Recomenda-se atentar para os fios, notar se são coloridos ou transparentes, sentir a textura e a espessura de cada fio. Tecer e dançar ao redor de si mesma.



A kinesfera é definida por Rudolf Laban[1] como a esfera do movimento ao redor do corpo É a esfera pessoal de movimento da qual nunca saímos, esta sempre conosco, como uma carcaça. A kinesfera externa tem relação com a pele, e é elástica como a pele é. Esta elasticidade permite ao agente interagir com o espaço e outras kinesfera. Por exemplo, encolhe-se num elevador,e expande-se numa praia deserta. A kinesfera interna tem relação com o esqueleto. É estrutura. Reflete um pensamento mais rígido e ao investi-la o agente se retrai do contato com outras kinesfera além da pele. A kinesfera média tem relação com os músculos. É gestual e formal. Reflete um pensamento mais comunicativo, mas não te intimidade. É a kinesfera do espaço social. William Forythe, propõe a noção de múltiplas kinesferas, em diferentes partes do corpo, correspondendo novos e diferentes centros do corpo.[2]
Tecendo ao redor de si mesma.
“ Observe-me. Estou fazendo um casulo.
Parece que estou me escondendo, eu sei,
mas um casulo não é uma fuga.
É uma casa provisória
onde acontece a transformação.
É uma grande decisão, pois nunca mais
você volta a ser taturana.
Durante a mudança, parecerá a você,
ou a qualquer outro que a ver,
que nada estará acontecendo –
mas a borboleta já estará se formando,
É só uma questão de tempo!”
Trina Paulus[3]
6.4.2 Jornada II: Movimento Filogenético e ontogenético: de volta ao começo

Sumário
Na Segunda Jornada a proposta está em reconhecer e vivenciar o movimento filogenético e ontogenético, ou seja, voltar ao começo. Nosso corpo se move como nossa mente se move. O desenvolvimento do movimento é trabalhado por Cohen (1997:4) tanto em termos filogenéticos como ontogenéticos. O desenvolvimento, explicita a autora, não é um processo linear, mas ocorre através de ondas sobrepostas, com estágios, contendo elementos de todos os outros. Em virtude de cada estágio estabelecer e apoiar o seu sucessivo, qualquer salto, interrupção ou falha para completar o estágio de desenvolvimento pode alterar o movimento e alinhamento na percepção, seqüência, organização, memória e criatividade. O desenvolvimento material inclui, além dos reflexos positivos, reações ajustadas e equilibradas, o padrão neurológico básico que é pautado por padrões de movimentos pré-vertebrados e vertebrados. O primeiro dos quatro padrões pré-vertebrados é a respiração celular, seguida da irradiação umbilical para a boca e do movimento pré-espinhal. Os doze padrões de movimentos vertebrados são baseados nos movimentos espinhal, homólogo, homolateral e contralateral. O sistema esquelético, formado por ossos e juntas, oferece ao nosso corpo a forma básica através da qual podemos nos locomover no espaço. Por esse meio, a mente também se organiza, promovendo suporte para nossos pensamentos.


Nosso corpo, explica Cohen[4] (1997:1), se move como nossa mente se move. As qualidades de qualquer movimento são as manifestações de como a mente é expressa através do corpo que está em movimento. As mudanças nas qualidades do movimento indicam que a mente mudou o foco sobre o corpo. Ao contrário, quando nós dirigimos a mente ou a atenção para diferentes áreas do corpo, e iniciamos o movimento a partir dessas áreas, nós mudamos a qualidade do nosso movimento. Então, achamos que o movimento pode ser um modo de observarmos a expressão da mente através do corpo, e isso também pode ser uma maneira de produzir mudanças na relação mente-corpo.

O estudo "Body-Mind Centering" inclui a aprendizagem tanto experiencial como cognitiva dos sistemas do corpo humano, como por exemplo, esqueleto, ligamentos, músculos, nervos, gordura, pele, órgãos, glândulas endócrinas, fluidos, respiração e vocalização; os sentidos e a dinâmica da percepção e o desenvolvimento do movimento tanto ontogenético como filogenético; e a arte do tocar e a responsividade.

O desenvolvimento do movimento é outro aspecto relevante no sistema Body-Mind Centering, que é trabalhado por Cohen (1997:4), tanto em termos filogenéticos como ontogenéticos. O desenvolvimento, explicita a autora, não é um processo linear, mas ocorre através de ondas sobrepostas, com estágios, contendo elementos de todos os outros. Em virtude de cada estágio estabelecer e apoiar o seu sucessivo, qualquer salto, interrupção ou falha para completar o estágio de desenvolvimento pode levar a problemas no movimento e alinhamento na percepção, seqüência, organização, memória e criatividade. O desenvolvimento material inclui, além dos reflexos positivos, reações ajustadas e equilibradas, o padrão neurológico básico que é pautado por padrões de movimentos pré-vertebrados e vertebrados. O primeiro dos quatro padrões pré-vertebrados é a respiração celular, seguida da irradiação umbilical para a boca e do movimento pré-espinhal. Os doze padrões de movimentos vertebrados são baseados nos movimentos: espinhal, homólogo, homolateral e contralateral. O sistema esquelético: formado por ossos e juntas, esse sistema oferece ao nosso corpo a forma básica através da qual podemos nos locomover no espaço. Por esse meio, a mente também se organiza, promovendo suporte para nossos pensamentos.














6.4.3 Jornada III: Os sentidos do corpo
Sumário
O tema da Terceira Jornada diz respeito aos sentidos do corpo: sentidos, sentimentos e ação - percebo, sinto e ajo. O meticuloso exame que Cohen (1997) aplica a nossa percepção mostra que é através de nossos sentidos que recebemos informações de nosso ambiente interno (nós mesmos) e do nosso ambiente externo (os outros e o mundo). Aprendizagem é o processo pelo qual variamos nossa resposta para essa informação baseado no contexto de cada situação. O toque e o movimento são os primeiros sentidos a se desenvolverem. Eles estabelecem a linha de base para a futura percepção através do olfato, paladar, audição e visão. A boca é a primeira extremidade para segurar, soltar, medir, alcançar e retirar. Ela marca a fundação para os movimentos de outras extremidades (mãos, pés e cauda) e se desenvolve em relação aproximada com o nariz. O movimento da cabeça é iniciado pela boca e pelo nariz, os movimentos abaixo da cabeça são iniciados pelos ouvidos e olhos. O tônus auditivo e o tônus postural - a vibração e o movimento - são registrado pelo ouvido e são intimamente relacionados. A visão é dependente de vários sentidos, e por sua vez ajuda a integrar, formando padrões mais complexos. A percepção pode ser explorada em termos de inter-relação de diferentes sentidos e sua relação com o processo de desenvolvimento. Através da exploração do processo perceptivol, nós podemos expandir nossas escolhas em respostas a nós mesmos, aos outros e ao mundo no qual vivemos (COHEN, 1997, p. 6 e 7).



Percepção e Escolha
O tema de hoje diz respeito aos sentidos do corpo:
a) Sensing, feeling and action
b) sentidos, sentimentos e ação
c) percebo, sinto e ajo
Cohen[5] (1997:1), “É através de nossos sentidos que nós recebemos informações de nosso ambiente interno (nós mesmos) e do nosso ambiente externo ( outros e do mundo). Como nós filtramos, modificamos, distorcemos, aceitamos, rejeitamos e usamos essa informação isso é parte do ato de percepção. Quando nós escolhemos absorver informação, nós nos vinculamos a esse aspecto de nosso ambiente. Quando nós bloqueamos essa informação, nós defendemos contra esse aspecto. Aprendizagem é o processo pelo qual nós variamos nossa resposta para essa informação baseado no contexto de cada situação. Em ordem de perceber claramente, nossa atenção, concentração, motivação ou desejo, devem ser ativamente focados sobre o que é que estamos percebendo. Este aspecto da percepção nós nomeamos de “focagem ativa”. Isso padroniza nossa interpretação de informação sensorial, e sem essa focagem ativa nossa percepção se mantém pobremente organizada. O toque e o movimento são os primeiros sentidos a se desenvolverem. Eles estabelecem a linha de base para futura percepção através olfato, paladar, audição e visão. A boca é a primeira extremidade para segurar, soltar, medir, alcançar e retirar. Ela marca a fundação para os movimentos de outras extremidades (mãos, pés, e cauda) e se desenvolve em relação aproximada (close association) com o nariz. O movimento da cabeça é iniciado pela boca e pelo nariz, os movimento abaixos da cabeça são iniciados pelos ouvidos e olhos. O tônus auditivo e o tônus postural, vibração e movimento são registrado pelo ouvido e são intimamente relacionados. A visão é dependente de vários sentidos, e por sua vez, ajuda a integrar formando padrões mais complexos. A percepção pode ser explorada em termos de inter-relação de diferentes sentidos e sua relação com o processo de desenvolvimento. Através da exploração do processo perceptual, nós podemos expandir nossas escolhas em respostas a nós mesmos, aos outros e ao mundo o qual nós vivemos. (tradução livre: Bonnnie Baindidge Cohen, Sensing, feeling, and action. 1993, p. 6)











Improvisação dirigida: [15minutos]
Os órgãos dos sentidos – caminhe pela sala e explore cada sentido.
órgão
Sentido
Sentimento
Plano
Ação
Boca
Paladar
Receptividade
Disposição para receber
Horizontal
Atenção, procura
comunicação
Nariz
Olfato
Poder, orgulho, sexualidade
Sagital
Chamada, planejar, direção, locomoção
Ouvido
Audição
Obediência
Vertical
Análise, determinação,
Intenção e apresentação
Olhos
Visão
Discernimento
tridimensional
Acolhe impressões e é expressão do interior (lágrima)
Pele
Tato
Delimitação, normas, contato, carinho
Sistema nervoso superficial
Separação e proteção; toque e contato; expressão e manifestação, sexualidade, respiração, eliminação, regulação da temperatura.




6.4.4 Jornada IV: Movimento Autêntico
Sumário

O contato com o mundo interior é a tarefa da Quarta Jornada. O contexto do movimento autêntico (ADLER, 2002) ensina que a descrição de uma experiência é distinta de uma fala sobre a experiência. Essa disciplina se dá em duas fases, relatadas a seguir:


Fase A
Escolha um espaço na sala. Feche os olhos com a finalidade de expandir sua experiência de ouvir os níveis mais profundos de sua realidade sinestésica. Sua tarefa é responder uma sensação, um impulso interior, uma energia vinda do inconsciente pessoal, ou do inconsciente coletivo. Essa resposta para essa energia cria movimento que pode ser visível ou invisível para o observador. À medida que o trabalho aprofunda, o movimento se torna mais organizado em padrões específicos, em partes específicas do corpo, dentro de ritmo e formas espaciais. Assim, como a função da personalidade: mais emocional do que intuitivo, mais sensitivo que pensativo. Após cinco minutos, a experiência será concluída, chamarei seu nome e solicitarei para você abrir o seus olhos. Nós faremos um contato visual e você voltar para o colchonete.
Fase B
Após se mover você pode: a. não falar e podemos ficar sentadas em silêncio. b. você pode falar de sua chegada aqui e agora, qual foi o caminho percorrido de sua experiência original ao movimento; você pode escolher agora encontrar palavras que são nascidas momentos por momento, do próprio movimento. Se você tentar escolher essa caminho, feche seus olhos novamente, ao começa descobrir palavras, escolha algumas, entregue entre outras, tal como foi descoberta, ou entrega ao movimento quando estiveres trabalhando no espaço. Nesta continuação do foco interior de você sentada aqui em seu colchonete, faz que você fale com o verbo no tempo presente. O presente relembra-nos, prende-nos e encoraja-nos permanecer no corpo, encarnada, experiência em movimento guiando-a até essa se tornar palavra. Tente agora lembrar o que o seu corpo esta fazendo enquanto você estava se movendo, e talvez a seqüência de seu movimento. Depois que você falar eu lhe direi como testemunha, o que eu vi o seu corpo fazendo, incluindo a seqüência do seu movimento. Juntas articularemos um mapa com nomes, lugares, seu corpo se movimentando no tempo e no espaço. Este mapa é solo, a terra, o terreno essencial pelo qual a nossas experiência se tornam conhecidas.

6.4.5 Jornada V: Diagonal da Vida I
Sumário

Na Quinta Jornada a ação criadora está em solicitar à dançarina que, em uma diagonal, vivencie a sua existência, do nascimento a sua morte. Nesse processo examina-se o tempo vivido como expressão e revelação criativa. Nesse momento ocorre uma profunda desconstrução e uma busca de sentido existencial.


Mude,
mas comece devagar
porque a direção é mais importante
que a velocidade
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os seus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.

Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.

Durma no outro lado da cama... depois, procure
dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais...
leia outros livros,
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.

Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.

Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.

Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
Jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado...
outra marca de sabonete,
outro creme dental...
tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.

Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.
Troque de bolsa,
de carteira,
de malas,
troque de carro,
compre novos óculos,
escreva outras poesias.
Vá outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.

Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.

Abre conta em outro banco.

Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.
Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá
coisas pitorescas que as já conhecidas, mas não é
isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento,
o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!!!


6.4.6 Jornada VI: Diagonal da Vida II
Sumário
Na Sexta Jornada a participante é convidada a elaborar a própria existência ao recriar a diagonal da vida. Busca-se, nessa etapa, criar o movimento da memória para o gesto, de uma experiência de vida específica para a imagem de um movimento formal: coreografar a história de vida (Albright, 1997).


Relaxamento/ Meditação [cinco minutos]
“Quando estou distraído, caio na sombra e no oco e no doce e no macio nada-de-mim. Me refresco. E creio. Creio na magia, então. Sei fazer em mim um atmosfera de milagre. Concentro-me sem visar nenhum objeto – e sinto-me tomado por uma luz. É um milagre gratuito, sem forma e sem sentido- como o ar que profundamente respiro a ponto de ficar tonto por uns instantes. Milagre é o ponto vivo do viver.”
Clarice Lispector, Um sopro de vida, p.39.









6.4.7 Jornada VII: A linguagem do corpo

Sumário
Conhecer o corpo vivido, vivenciar o corpo emocional, reconhecer as próprias expressões são os desafios da Sétima Jornada. Proposta a partir do Rasaboxes, um treinamento psicofísico e um instrumento de composição para a performance criado por Richard Schechner e desenvolvida por Michele Minnick (2003), que combina teorias clássicas indianas de emoção e interpretação, pesquisas contemporâneas da psicologia, neurociência e o princípio do teórico francês Antonin Artaud, que propõe que atores sejam “atletas da emoção”. Rasa, que em Sânscrito significa “sabor”, no contexto da performance se refere a oito emoções básicas, suas combinações e como as mesmas são saboreadas pelo público. As boxes (caixas) são quadrados desenhados por linhas no chão, e cada caixa contém uma Rasa. Através de improvisações estruturadas, o Rasaboxes oferece ao jogador a possibilidade de pesquisar suas próprias expressões corporais a partir das Rasas básicas, desenvolver sua habilidade de passar de uma Rasa para outra instantaneamente e de combiná-las de forma a criar estados emocionais bastante complexos.



Atividade: Você receberá 10 cartões contendo as seguintes emoções
KARUNA = COMPAIXÃO [tristeza, a perda, amargura, angustia, melancolia]
VIRA = CORAGEM [orgulho, ousadia, herói / heroína]
BIBHATSA = REJEIÇÃO [ náusea, revolta, revolução]
RAUDRA = RAIVA [ira, ódio, os demônios]
ADBHUTA = DESCOBERTA [maravilhoso, surpresa, inesperado]
BHAYANAKA = MEDO [medo, terror, pânico, receio]
SRINGARA = AMOR [prazer, gostar, admiração, devoção]
HASYA = RISO [ironia, simpatia, palhaço, grotesco, grosseria
SHANTA = PAZ [tranqüilidade, harmonia, serenidade, ] observar de dentro para fora.

Observação: cada Rasa é um oceano. Entrar e sair em algo que já existe. Sensações que entram e que sai, ser possuída por aquela emoção. Respirar com aquilo que é próprio. Trabalhar a Rasa com a caixa de ressonância: Respiração, movimento, emoção e som.

m k.,,’’;




6.4.8 Jornada VIII: A dança sagrada
6Sumário
As experiências da Oitava Jornada se dão a partir da vinculação da dança com o Sagrado ou seja, primeiramente conceber o corpo como templo, em segundo lugar vivenciar a dança sagrada. Em terceiro lugar, dançar para transformar a existência.


6.4.9 Jornada IX: A dança de cada um
Sumário
A Nona Jornada, quando a dançarina é convidada a percorrer o caminho sagrado - bem descrito- na canção popular: “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo.” Após caminhar no espaço sagrado; meditar. Perceber assim a nossa kinesfera como nosso espaço sagrado. Isso é permitir que o nosso feminino aflore, tornando-nos mais receptivas e mais aptas a magnetizar e a receber, em estado silencioso (SAMS, 2000). Discernir com o auxílio de nossos sentidos qual é a nossa verdade pessoal. E assim, criar a própria dança, que não se trata apenas de uma expressão do ser e sim uma revelação do ser.


Exploração: [quinze minutos]A jornada que leva ao centro de si é uma jornada que nos leva ao encontro do Outro.
Primeiro Caminho: A quietude:
Na quietude, todas as perguntas são respondidas no silêncio, e todos os problemas são tranqüilamente solucionados.[6] Em vários momentos da nossa jornada, nos atentamos para o silêncio. Como diz uma canção popular: ♪ Tudo é uma questão de manter:a mente quieta ♫♪ a espinha ereta e o coração tranqüilo♫
Vamos aprender a permanecer no silêncio: vivenciar a quietude do corpo e da mente, por alguns minutos. Percebendo assim a nossa kinesfera como nosso espaço sagrado.Com a disposição de perceber as respostas que nos são oferecidas pela nossa própria vida cotidiana. Isso é permitir que o nosso feminino se aflore, tornando-nos mais receptivas e mais aptas a magnetizar e a receber, em estado silencioso.
O segundo caminho: O discernimento.
Como nossos sentidos podem nos ajudar a digerir as respostas que nos chegam e aprender a sentir quais as que melhor se aplicam a nós. Ou seja, como integrar a informação e discernir qual é a nossa verdade pessoal?


Olhos
Visão
Discernimento
Tridimensional
Acolhe impressões e é expressão do interior (lágrima)
O terceiro caminho: A organização
Esse caminho significa a sustentação da nossa estrutura em nossa verdade pessoal. Se tivermos consciência de nossas idéias digeridas, poderemos nos organizar melhor para atingir os nossos objetivos, partindo de uma base sólida. Sempre que nossos objetivos estiverem baseados em nossos desejos e verdades pessoais, serão alcançados com alegria. Serão objetivos que nos esforçaremos por alimentar porque são verdadeiramente nossos, e não objetivos que outros esperam de nós.
Improvisação/criação [cinco minutos] Esse caminhar que nos leva para frente. Vamos explorar o caminhar. Uma das possibilidades de explorarmos o nosso caminhar na dança, se pauta no Butô: Caminhar: Simples, básico, sofisticado e refinado.Caminhar com os pés afastados do chão um centímetro. Joelhos levemente flexionados, coluna ereta, sentindo fio invisível puxando a cabeça para o alto, e cóccix para baixo; Indagar: que andar é esse? Incorporar o andar: quem anda assim?Na diagonal caminhar para frente guiada pelo quinto metatarso, pelo cóccix, a cabeça, o coração, a barriga. Indagar: quem te leva para frente, uma idéia, um local, o que você está deixando para trás, quem? uma pessoa? um trabalho? uma expectativa? um sonho?
Criação/Composição: Crie sua dança a partir das jornadas que fizesse até aqui. Apresente sua criação.
Fechamento: Meditação - Reflexão: [cinco minutos] (...) Há toda uma caminhada, que nos chama para frente (no velho latim se diria: provo-cat). Amigos africanos me asseguraram que, em muitos idiomas nativos da África, há um montão de termos para “caminho” e “caminhar”, com incríveis nuanças.Caminhar com um criança, se fala de um modo. Caminhar com os pais, já se fala de outra maneira. Caminhar com amigos, se diz de um jeito. Com uma pessoa amada, ainda de outro. Mas- segundo me disseram esses amigos da África- , apesar de tantas palavras para “caminhar”, nas línguas deles não existe nenhuma palavra para “caminhar sozinho”. [7]


6.4.10 Jornada X: Beleza e Celebração
Sumário
Na Décima Jornada, ao narrar e dançar sua história, a dançarina celebra a existência. Atenta-se para o belo presente no feminino e no sagrado. Dançar a vida como experiência estética - a vida como obra de arte. Essa jornada que leva ao centro de si é uma jornada que nos leva ao encontro do Outro e isso exige um novo tipo de coragem: a de amar e ser amada.





6.5 Jornadas – uma experiência de ensino

Ao ser indagada sobre suas noções de dança antes e depois de realizar as jornadas, uma estudante, aqui chamada de “Electra”, respondeu: “Antes:  Uma forma de divertir o corpo e relaxar a mente; Depois:  A dança é uma forma de cuidar e perceber o corpo, que diverte o corpo e relaxa a mente.” “Lunar”, após notar sua noção superficial, percebe que a dança é muito mais do que imaginava: “É um processo de auto-conhecimento e auto-estima, pelo qual devemos passar para que a expressão dos movimentos seja não apenas representada por meio da dança, mas vivenciada.” De que modo essa mudança de percepção da dança as motivaria à apreciação da dança? A forma de “Bella” ver, sentir, experimentar e apreciar a dança mudou após as jornadas: acrescentou e ampliou seu repertório e conhecimento sobre a dança. A cada jornada, examina “Anne”: “quando estava sentada em silêncio, procurava fazer uma reflexão a respeito de tudo que se havia comentado e o que fora trabalhado, como a quietude, os sentidos, o valor do toque, saber ouvir, parar para sentir o outro, relaxar, mostrar-se, expressar-se e muito mais.”

Em relação ao ensino, à aprendizagem e a apreciação da dança, “Serena” escreveu: “os três devem estar sempre juntos, não existe prática sem teoria , é preciso saber o que significam os movimentos para poder compreender a dança.” Destaco este último comentário, pois suas noções de dança foram significativamente alteradas: “Antes eu achava que para saber dançar, era preciso ter cursos; hoje compreendi que qualquer movimento do meu corpo é uma dança.”

6.5.1 A condição dos olhos – a experiência estética

Quem ainda não se deparou com a reprodução de uma das bailarinas de Edgar Degas? E semelhantemente não tenha se encantado com aquela sua escultura de bronze de uma jovem dançarina trajada de musselina e cetim? “Há uma imensa diferença entre ver uma coisa sem o lápis na mão e vê-la desenhando-a”, escreve Paul Valéry (2003:71) acerca da obra de Degas. O desenho de observação de um objeto, examina o autor, “confere ao olho certo comando alimentado por nossa vontade. Neste caso, deve-se querer para ver e essa visão deliberada tem o desenho como fim e como meio simultaneamente” (grifos do autor).

Mas o que nós estamos a ver quando assistimos a um espetáculo de dança, quando dançamos ou, ainda, quando coreografamos? Bem, a observação, a execução e a criação da dança são dimensões da apreciação da dança. Análoga à experiência do traçar da pintura, no qual o comando da mão pelo olhar é bastante indireto. Na dança, também, várias etapas intervêm, entre elas a memória corporal. Como descreve Valéry (2003 p. 71): “cada relance de olhos para o modelo, cada linha traçada pelo olho torna-se elemento instantâneo de uma lembrança, e é de uma lembrança que a mão sobre o papel vai emprestar sua lei de movimento. Há transformação de um traçado visual em traçado manual.”

A estudante aqui chamada “Serena”, ao comentar sobre sua experiência com a dança durante a disciplina, expressou que foi “extremamente prazerosa, reveladora e enriquecedora. Foi maravilhoso poder movimentar meu corpo junto das pessoas que também fizeram a disciplina, e ver como é lindo o corpo em movimento. Não importa cor, tamanho, forma. Foi lindo ver as nossas colegas dançando.” O estético, admite Clement Greenberg (2002 p. 130), “está à espreita por toda a parte e  contrariando o senso comum  não é necessária uma sintonia especial para que se tenha uma experiência estética nesse ou naquele grau”. Para apreciar a dança é necessário apenas que o artista avance, recue , debruce-se, franza os olhos , comporte-se com todo o corpo como um acessório de seu olho, torne por inteiro órgão de mira, de pontaria, de regulagem, de focalização (VALÉRY, 2003).
6.5.2 A experiência do pensamento e a coragem de ser

As noções de existência, corporeidade, temporalidade, tão bem discutidas por Sokolowski (2000), contrapõem-se à compreensão pós-moderna de sujeito fragmentado, carente de identidade, com múltiplas ausências sem nenhuma presença duradoura real. A proposição de jornadas existenciais como conteúdo da disciplina Dança no Espaço Escolar, no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina, desvela a coragem de ser:

“Entrei no casulo – e é lindo – porque de fato, sinto-me cuidando deste nascimento-existencial: quando teço o meu casulo, quando imprimo cores e texturas diferentes, quando me aproximo deste local que cuida de mim enquanto me transformo. Não quero ter pressa, aliás, quero sair dessa lógica de que estou sempre atrasada, quero perceber, sentir e viver o movimento com suas matizes e melodias quero o encontro que me leve ao reencontro comigo – quero me tornar uma pessoa melhor...” (“Aquela que Escuta” – participante)


A experiência do movimento autêntico é assim descrita pela participante “Brisa do Mar”: “Eu sinto os joelhos, flexiono os joelhos. Sinto os dedos dos pés. Mexo os quadris. Massageio a bunda, articulo as escápulas. Sacudo as escápulas. Flexiono e relaxo. Eu me abaixo. Sinto o meu corpo no chão. Eu me estendo e me encolho. Eu sinto o contato da perna ... suporte. Apóio os olhos (faz o gesto das mãos fechadas e punho apoiando os olhos) Sinto o cabelo (expressa movimentando os cabelos) Sinto coceira no cabelo. Toda... Aí eu torço para um lado, pro outro, flexionando os joelhos. Sinto a boca, começo a babar. Faço careta. Gosto de fazer careta. Acompanho com o quadril. Faço um som, movimento para frente, respiro, inspiro. Me abraço, me elevo. Desabraço. Final. Vai abrindo o corpo.” Comentários: pergunto como foi descrever o movimento no tempo presente. Responde: maior conexão entre mente e corpo. É como repetir abstratamente. Falo que notei que enquanto ela descrevia o próprio movimento ela fechava os olhos e por várias vezes repetia o movimento juntamente com a fala. Ela diz que ao fazer isso sentia mais a fluência do movimento, sentia-se guiada, sentia o movimento, a sensação.”

Na quinta etapa do processo solicitamos às participantes que, em uma diagonal, vivenciem a sua existência, do nascimento a sua morte. Nesse processo examina-se o tempo vivido como expressão e revelação criativa. Nesse momento ocorre uma profunda desconstrução e uma busca de sentido existencial. Uma participante, aqui chamada de “Zum”, após realizar sua diagonal, comenta que vivenciou sentimentos de solidão, isolamento, sentiu que vivia como se a vida fosse uma tarefa. “Zum” chorou. Na fenomenologia de Paul Tillich, a “coragem como um ato humano, como matéria de avaliação, é um conceito ético. Coragem como auto-afirmação do ser de alguém é um conceito ontológico. A coragem do ser é o ato ético no qual o homem afirma seu próprio ser a despeito daqueles elementos de sua existência que entram em conflito com sua auto-afirmação essencial.” (1976:3).

A coragem é necessária para que a mulher possa ser e vir a ser. Para que o eu seja é preciso afirmá-lo e comprometer-se. Essa é a diferença entre os seres humanos e os seres da natureza. O psicanalista Rollo May, ao comentar a perspectiva ontológica da coragem em Paul Tillich, exemplifica que o filhote transforma-se em gato por instinto. Nessa criatura, natureza e ser são idênticos. Mas um homem ou uma mulher tornam-se humanos por vontade própria e por seu compromisso com essa escolha. Os seres humanos conseguem valor e dignidade pelas múltiplas decisões que tomam diariamente. Essas decisões exigem coragem. Contudo, um tipo de coragem que não se expresse em desmandos de violência e que não dependa de afirmar o poder egocêntrico sobre as outras pessoas, “mas uma nova forma de coragem corporal: o uso do corpo não para o desenvolvimento exagerado de músculos, mas para o cultivo da sensibilidade”, sugere May (1982). Na Sexta Jornada, por exemplo, a participante é convidada a elaborar a própria existência ao recriar a diagonal da vida. Busca-se, nessa etapa, criar o movimento da memória para o gesto, de uma experiência de vida específica para a imagem de um movimento formal: coreografar a história de vida (Albright, 1997). Ao comentar esta jornada, “Zum” sentiu gratidão e leveza, ao invés de perceber a vida como uma tarefa árdua. Despertou...


6.5.3 Dança na Educação –experiência de vida

Ao chegarmos ao término desse relatório de pesquisa, esperamos ter apresentado argumentos e experiências suficientemente consistentes para sustentar a nossa proposição da inserção do ensino da dança nos cursos de formação de professores. Na tentativa de irmos mais além das discussões acerca do ensino-aprendizagem, convidamos os professores a apreciarem a dança tendo como inspiração sua própria experiência estética vivenciada em jornadas existenciais. A descrição de vividos possibilitou constatar que as noções de dança foram alteradas após uma vivência profunda com a dança. A despeito de toda a discussão pós-moderna acerca do relativismo ontológico, as experiências aqui descritas desafiam o indivíduo a ver o outro numa relação de coexistência. A dança assim concebida não é solitária, mas sim solidária. No contexto educacional, a troca de uma letra faz muita diferença.



















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[2] Lenira Rengel. Dicionário Laban. São Paulo. Annablume, 2003.
[3] Trina Paulus. Esperança para Flores. São Paulo: Paulus, 1988
[4] Bonnie Bainbridge Cohen. Sensing, Feeling and Action: the experiential anatomy of body-mind centering. Northampton: Contact. 1997.
[5] Bonnie Bainbridge Cohen. Sensing, Feeling and Action: the experiential anatomy of body-mind centering. Northampton: Contact. 1997.
[6] Tradução livre – A Course in Miracles
[7] Hugo Assmann. Paradigmas educacionais e corporeidade.

Interrogação e Intuição

Apresentação e Descrição da Pesquisa

Originada no texto de Maurice Merleau-Ponty Interrogação e Intuição[1] a investigação aqui descrita teve como tema o exame das noções do corpo, da diferença e da arte na formação de professores. O problema de pesquisa foi assim formulado: como reconhecer os caminhos de ensino e de aprendizagem do corpo vivido na experiência estética?
A primeira questão que tivemos que lidar foi acerca do saber. Muitas são as atitudes diante do mesmo. Por exemplo, o cético assume: não se pode saber. O cínico finge saber ou não saber. O filósofo propõe quero saber. Quando o filósofo começa a interrogar, destrói (aparentemente) as bases do homem natural que pauta sua vida no sensível. Quando o filósofo pergunta o que é o mundo? - a pergunta põe à prova uma certeza. A dúvida metódica: suspeita de uma certeza que pode levar à algum tipo de evidência. Merleau-Ponty sugere: eu quero saber o não saber. Para isso a interrogação deve por ela mesma em questão. Que sei eu? Interrogação permanente. Falsamente acreditou que a dúvida filosófica está na pergunta que já há respostas. Merleau-Ponty não sabe nada, mas tem expectativa do homem natural, daquele homem que não é capturado por uma tese. Não tem certeza, mas tem fé na vida, trata-se de um saber que não sabe e não se tem controle. Eu vivo no não saber. Eu me comunico com você com aquilo com o que eu não sei de mim. Essa relação com o outro só se dá na incerteza. Não se trata de encontrar, trata-se de perder. Não está no campo do saber, está na transcendência. Assim a dúvida se desvela como uma possibilidade de comunicação.
O filósofo se inspira no artista, pois não para de perguntar. O artista é alguém que pergunta sem conceitos, sem palavras. O artista só pode criar o que não conhece. Só quando a sensibilidade preenche o pensamento eu tenho o conhecimento (Müller, 2006)
Estas reflexões foram o estofo do processo que nos possibilitou realizar a pesquisa aqui em pauta e, primeiramente, examinar a noção de ação criadora a partir da proposição e aplicação de um método de ensino da dança para professores em formação. Em segundo lugar, conhecer como professores em formação e platéia percebem a contribuição do dançarino com cegueira no processo coreográfico. Além de examinar as relações entre corpo, dança, cegueira e a formação de professores, tendo como ponto de partida as atividades corporais, de arte e dança oferecidas para alunas do curso de Pedagogia do CED da UFSC.
O relatório apresentará em seu primeiro item da apresentação e discussão dos resultados uma revisão da literatura acerca do ensino da dança, o segundo item o método, apresentamos uma fenomenologia da dança, pois, notoriamente, nossa pesquisa se pauta no estilo fenomenológico. No terceiro item elucidamos, primeiramente como a especificidade de um trabalho com dança com jovens e adultos com cegueira possibilitou a criação de uma experiência de ensino e apreciação da dança intitulado Jornadas, descrita no quarto item. No último explicitaremos a noção de coragem de ser na ação criadora da dança ao examinarmos como professores em formação criam sua própria dança.
6.1 Indagações acerca do ensino da dança

Que questões estão circunscritas no contexto da arte que sustentam, ou não, a presença do ensino de dança como disciplina acadêmica nos cursos de formação de professores? À guisa de introdução, iniciaremos o texto com uma revisão da literatura a respeito da dança na educação, com vistas a explicitar tais questões. Os artigos selecionados evidenciam, em primeiro plano, que embora se esteja produzindo conhecimento referente ao ensino da dança, há uma ausência de debate entre os profissionais da área sobre esse assunto. Tal desconhecimento vai repercutir na prática e na criação artística da dança no contexto escolar, como os artigos indicados a seguir mostrarão.

A professora Silvia Soter (1998) problematiza a visão de que dominar a arte da dança não necessariamente assegura a capacidade de transmiti-la. Indaga: o que justificaria a presença da Educação Somática nos programas de formação do professor de dança? Ainda que dominar a arte da dança não garanta a arte de transmiti-la, é sobre a experiência vivida, sobre a prática cotidiana no corpo do dançarino, que a capacidade de ensinar vai ser construída. É no cruzamento entre conhecimentos teóricos, prática sólida e reflexão sobre essa prática que o “saber-fazer”se molda em “saber-aprender”, para enfim se transformar em “saber-ensinar”.

Embora se vivencie um momento profícuo de desenvolvimento da dança, detecta Claudia Damásio (2000), pouco se discutem as questões ligadas ao ensino da dança, como ele se dá, o que privilegiar nesse trabalho diário, o que faz o professor de dança.

Um panorama do ensino da dança nas universidades brasileiras é traçado por Dulce Aquino (2001), tendo como pano de fundo o curso de dança da Universidade Federal da Bahia. Essa autora observa a existência, no país, de um ambiente universitário propício a pensar a dança como área de conhecimento. No entanto, a formação do profissional de dança ainda se dá à margem desse contexto, ela constata. Destarte, se ao artista é possível se estabelecer no mercado profissional após uma trajetória de estudos não formais, dificilmente o crítico de dança, o curador, o pesquisador e principalmente, o professor de dança lograrão êxito se não buscar em um instrumental teórico no seio da universidade. Em seu artigo, Aquino enumera as características que devem ser resguardadas na elaboração dos novos currículos, sugeridas pela Comissão de Especialistas de Ensino de Artes Cênicas: dentre elas estão a articulação das atividades desenvolvidas pelo aluno no âmbito da universidade com aquelas pré-profissionais, desenvolvidas no seu campo profissional; a elaboração de uma proposta curricular contemplando a pesquisa básica e aplicada e a integração entre teoria e prática; a atuação ética, crítica e criativa em sua inserção profissional nos diversos âmbitos da sociedade; a articulação interdisciplinar e multicultural. Na Escola de Dança da UFBA, os vários conteúdos programáticos estruturam-se em três módulos pedagógicos, a saber: o primeiro, estudo do corpo; o segundo, processos criativos; o terceiro, estudo crítico analítico. Essa concepção pedagógica do ensino da dança visa a propiciar um nicho criador dos atores em seus papéis de professor, estudante e artista .

A avaliação em cursos universitários de arte, especificamente na dança, é o tema do texto de Ana Vitória Freire (2001). A autora indaga: como avaliar corpos histórica e culturalmente diferentes, inseridos em um mesmo contexto como a sala de aula, em matérias de criação ou improvisação? Quando se coloca um corpo como veículo de comunicação e expressão de um pensamento, traz-se com ele sua história, suas referências, suas emoções e seus limites. Indaga: como dissociar ou por que dissociar nosso conteúdo estético, se somos, quando nos expressamos, a representação desse corpo e desse pensamento? Admite: garantir uma aprendizagem qualitativa saudável e investigativa parece ser ainda, para a educação, um desafio árduo que requer cuidado, atenção e reformulação diária. Se por um lado o educador precisa aceitar que tanto ele quanto seu conteúdo estão sendo testados e avaliados pelos educandos, que agem e reagem a eles, por outro lado, nesse processo de troca de conhecimento, o estudante-artista precisa ser colocado como sujeito construtor e reconstrutor do saber aplicado, avaliando sempre seu processo, suas formulações, e não só transferindo o poder de decisão do seu percurso ao professor.

Metodologia para o ensino de dança: luxo ou necessidade? Desafiadora, a questão de Isabel Marques (2004) nos introduz no âmago do problema aqui em pauta, ao perceber que o avanço na produção de conhecimento, os documentos e as práticas na área de ensino de dança no país são sumariamente ignorados pela grande maioria dos artistas-professores, como se a experiência artística bastasse, como conteúdo, para poder ensinar. Essa restrição se amplifica desde o uso inadequado da terminologia, que confunde metodologia com didática, e esta última com pedagogia, até a ausência de compreensão acerca das diversas relações com a Educação, vindo a comprometer o processo de ensino-aprendizagem e a criação artística.

A formação profissional do artista da dança é o tema central do artigo de Marta Strazzacappa, que problematiza se seria possível alguém que não vivenciou o ofício da dança ser um professor de dança. A autora salienta que, independentemente de ser ou não institucionalizado, o ensino da dança é construído na relação entre o conhecimento, o educador e o educando, pois depende de quanto o educador conhece a dança e sabe despertar o interesse do educando mediante as próprias descobertas. Por sua vez, depende da dedicação do educando à experiência teórica e prática da dança. E, por fim, depende do quanto a escola favorece um ambiente propício para a articulação dessa relação.

Essa breve revisão literária apresenta questões pertinentes a propósito da inserção do ensino de dança como disciplina no curso de formação de professores. Os aspectos enfatizados nesses textos me parecem ser o ensino e aprendizado da dança. No entanto, há ainda um elemento ignorado nessas discussões, que corresponde à apreciação da dança. Bem nos recorda Betty Redfern (2007) que os estudantes de dança, nas universidades, nos cursos livres, e principalmente nas escolas, interessados em dançar, em assistir a espetáculos de dança e, talvez, compor ou coreografar, estão de um certo modo inclinados à discussão estética presente tanto na experiência quanto no julgamento a respeito do que é dança. A experiência estética é uma vertente que merece ser examinada ao se propor o ensino de dança nos cursos de formação de professores.

A contribuição do nosso texto para o debate a respeito do ensino da dança nos cursos de formação de professores privilegia três experiências: primeira, a experiência de ensino da dança, quando descreveremos as noções de dança a partir dos momentos vividos pelas estudantes participantes das Jornadas. A segunda, a experiência estética apreendida pelas mesmas enfatizada nos processos de observar, descrever, executar e criar e apreciar a dança. Uma terceira, a experiência do pensamento evidenciada ao se discutir as noções de Ser e não-Ser, presentes nas falas das participantes.


6.3 Referencial teórico-metodológico

6.3.1 Uma fenomenologia da dança

“A fenomenologia”, escreve Sokolowski (2000 p. 24): “reconhece a realidade e a verdade dos fenômenos, as coisas que aparecem. Não é o caso, como a tradição cartesiana nos teria feito crer, que “ser um retrato” ... está só na nossa mente. Eles são modos nos quais as coisas podem ser. O modo que as coisas aparecem é parte do ser das coisas; as coisas aparecem como elas são, e elas são como elas aparecem. As coisas não apenas existem; elas também manifestam as si mesmas como o que elas são.”


Em seu estudo sobre a fenomenologia da dança Dido Milne (1993) define essa como o encontro imediato do dançarino com o vivido da experiência da dança. Em sua leitura de Merleau-Ponty, destaca que nosso corpo não é entidade objetiva, mas totalidade vivida. Explicita que sinestésico significa uma combinação da visão com a audição, que torna possível ver o som e escutar a visão. Exemplifica com o dizer de Stravinsky sobre o trabalho de Balanchine: Ver a coreografia de movimentos de Balanchine é ouvir a música com os próprios olhos. Constata, também que os dançarinos, em particular, possuem uma consciência precisa do contorno de seu corpo quando estão em movimento. Argumenta que há muito tempo vem sendo negligenciado o aspecto intelectual da dança, em função do baixo status dado ao corpo humano. Os dualistas argumentavam que a mente era a essência do ser humano e o corpo era relegado ao papel de veículo, a casa, e o transporte da mente. A dança como um corpo de arte, era visto como irracional, subjetivo, fazer meramente com a expressão da emoção do dançarino, como oposto da arte que poderia ser analisada de um modo objetivo. Pautando na fenomenologia que tem mostrado como o corpo vivido é o sentido através do qual compreendemos essencialmente o que é ser humano, sugere que dança, a qual explora todas as complexidades do corpo, merece ser investigada.

Milne (1993) também avalia que um dos maiores desafios da dança moderna tem sido equilibrar o peso dado na percepção visual contra ao peso para os outros sentidos. Sendo assim discute a noção de prazer estético que deve ser visto e ver requer distância. Por exemplo, a distância estabelecida pela crítica para ver a dança. Ou seja, ver a dança como ver uma pintura. Esse processo admite, o autor, é visto como expressão da mais alta racionalidade objetiva, significa ordenação e representação do mundo. No entanto, recentemente essa perspectiva vem sendo questionada e apresentada como artificial. Pois, a proximidade do mundo dissolve a objetividade de qualquer ponto que existe em perspectiva. Em contrapartida, a dança contemporânea está no entorno do mundo externo entre o espaço e o objeto. O corpo vivido do dançarino está continuamente contato íntimo com o mundo. O autor ainda destaca que a arquitetura de teatro de vanguarda, desmantela a tradicional relação de voyeur entre espectador e dançarino. Identifica-se em projetos mais recentes o auditório está numa distância imediata do palco, possibilitando a platéia sentir o vivido na experiência da dança. Examina que no processo de criação das artes plásticas, embora apreciamos a obra com certo distanciamento crítico, com enquadramento e foco visual, no entanto, o trabalho é feito de modo tátil.

A proposição de uma fenomenologia da dança, explorada nos parágrafos anteriores ressalta, em primeiro lugar, a necessidade de uma estética “multi-sensorial”. Um segundo aspecto, que esse enfoque sugere é a contribuição efetiva da experiência perceptiva da cegueira para a compreensão da arte. Esse ponto será examinado a seguir.

6.3.4 Dança e cegueira - entre a razão e a sensibilidade
A visão tem sido um dos sentidos mais requisitados nesta virada de século. Vivemos numa sociedade do conhecimento. Neste contexto ver é conhecer. Gilliam Rose discute em seu livro Visual Methodologies (2001) a distinção que estudiosos contemporâneos tem feito a respeito da visão e da visualidade. Visão é o que o olho humano é fisiologicamente capaz de ver. Visualidade, refere-se ao que é visto e como algo é visto, sendo ambos construídos culturalmente. O termo “ocularcentrismo” foi cunhado por Martin Jay para descrever a aparente centralidade do visual na vida contemporânea ocidental. A centralidade do olho na cultura ocidental, se inicia quando observar, ver e conhecer se tornam entrelaçados. Bárbara Maria Stafford, uma historiadora do uso das imagens nas ciências, argumenta que, no processo iniciado no século XVIII, a construção do conhecimento científico sobre o mundo se torna mais em mais baseado em imagens do que textos escritos. Por conseguinte, Nicholas Mirzoeff sugere que a pós-modernidade é “ocularcêntrica”, não só em virtude das imagens visuais serem mais e mais comuns, nem tão pouco em razão do aumento da vinculação do conhecimento do mundo com a visualidade, mas por causa de nossa crescente interação com as experiências visuais culturalmente construídas. Deste modo, a conexão moderna entre ver e conhecimento é hiper estimada na pós-modernidade. A demanda no dias de hoje está em mais ver do quem em acreditar. Podemos, comprar um casa escolhida pela Internet, podemos ver nossos órgãos internos a partir de uma imagem de ressonância magnética. Podemos manipular nossas fotos em nosso computador.

Há imagens demais, constata Evgen Bavcar (2000), filósofo e fotógrafo não-visual. Esse autor argumenta que abundância de imagens-clichês no mundo moderno forma uma percepção abstrata das coisas que freqüentemente não existem mais por elas mesmas, mas somente através das imagens, sendo assim, a proximidade tátil é o mais seguro sinal de uma existência real. Em seu trabalho de fotógrafo compondo luz num espaço obscuro concebido como volume, Bavcar é consciente da separação do mundo do verbo daquele da imagem que ele busca reconciliar.

“Criamos dicotomias permanentes,” escreve Adauto Novaes (1997 p.13): “a consciência e a coisa , o sujeito e o objeto – divisões brutais que determinam com rigor as esferas do sensível e do pensado, do que vê e do que é visto.” É no intervalo dos sentidos,” continua esse autor: “que, segundo Merleau-Ponty, podemos descobrir que ver é, por princípio, ver mais do que se vê, é aceder a um ser latente. O invisível é o relevo e a profundidade é do visível. Aqui, o olho não é suporte natural do espírito, nem o espírito a sublimação da visão. O que Merleau-Ponty propõe é uma retomada, a partir de um momento “esquecido”, quando o pensamento de ver substitui o ver e fez dele seu objeto. Falando em quiasma ou entrelaçamento, procura desfazer corporalmente a distinção clássica entre sujeito e objeto, carne e espírito. Assim, descreve a relação carnal do sujeito e do objeto. Há uma universalidade do sentir e é sobre ela que repousa nossa identificação, a generalização de meu corpo, a percepção do outro. (Novaes, 1997 p.14)

A memória do corpo vivido, idéia que Bavcar desenvolve para além daquela que o senso-comum e o idealismo costumam usar, nos oferece sustentação na criação coreográfica. Ao examinar a obra desse fotógrafo, Adauto Novaes (2000) ressalta, primeiramente a noção de paralelismo, isto é, a idéia que impede qualquer superioridade do espírito sobre o corpo e do corpo sobre o espírito, como comentamos no parágrafo anterior. Nota, também que Bavcar realiza uma reflexão que passa pelo corpo e pelos sentidos, responde assim, a pergunta de Spinoza: O que pode o corpo? Indagação que induz, pois à demonstração de que o corpo supera o conhecimento que ele tem dele mesmo, da mesma maneira que o pensamento supera a consciência que ela tem dela mesma. Por conseguinte, percebe que a idéia de memória das sensações, que se pode ver nas fotos de Bavcar, coincide absolutamente com a idéia de memória expressa na Ética de Spinoza a memória não é outra coisa senão um certo encadeamento de idéias, envolvendo a natureza das coisas que estão fora do corpo humano. Por fim, Novaes, descreve esse encadeamento que se faz no espírito segundo a ordem e o encadeamento das afecções do corpo humano: “Através do tato, do deslocamento do ar que desenha o contorno daquilo que ele não vê com os olhos, através do olfato, através do calor, o corpo de Bavcar é afetado pelos objetos exteriores, criando a memória das sensações e formando figuras.” (Novaes, 2000 p. 32)






6.3. 5 Interrogação e Intuição na dança do Potlach

O Potlach Grupo de Dança se pauta num trabalho de pesquisa, ensino e extensão universitária para jovens e adultos com cegueira e com baixa visão. O elenco atual conta com a participação de 04 dançarinos com cegueira – e 03 dançarinas com visão, e estudantes do Centro de Ciências da Educação – CED da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. O trabalho foi desenvolvido na Sala Espaço do Corpo no CED/ UFSC, e na Associação Catarinense de Integração do Cego - ACIC, com sede no bairro Saco Grande, em Florianópolis, SC. Em dezembro de 2003 o grupo estreou o espetáculo QUATRO, no teatro da UFSC. No primeiro semestre de 2004 foi produzido ÁGUA CONSTANTE... processo coreográfico e apresentado no Espelhos da Educação no CED/UFSC. Em 2005 apresentamos “Embalos e Canções”, no Espelhos da Educação II e produzimos o vídeo dança Quatro. Em 2006 o grupo foi pré-selecionado no edital Rumos vídeo dança do Itaú Cultural.

Esse trabalho busca ser uma experiência de ensino e apreciação da dança pautada na pesquisa perceptiva sobre o ver e o não ver. Durante o processo de criação os dançarinos, por meio de entrevistas, descrevem suas experiências cotidianas e memórias corporais. As seqüências são compostas com base na improvisação e no contato corporal. O projeto tem como objetivo apreender a dança como uma experiência estética, para isso se propõe desenvolver atividades que promovam à comunicação não-verbal, ampliação do vocabulário de movimentos e contato com o outro. Com este trabalho de pesquisa perceptiva e sensorial, o Potlach tem por finalidade despertar no espectador uma experiência estética insólita e provocadora acerca do acolhimento da diferença.
Muitos indagam: Dança com dançarinos cegos? Cegos?!! Dança?!! Que dança é essa? Que movimentos são esses? Que corpo é esse? Quais sentidos, sensações, direções? A resposta: “É a dança do sei lá o que...” Esta dança se relaciona com a percepção do espectador. Pretende interrogar sobre uma dança expressa no entrelaçamento entre um dançarino que não vê e o espectador que o vê. Criar coreografias que buscam tecer relações entre o dançarino e o espectador. Trata-se de um jogo lúdico, dinâmico, criativo de reconhecimento do outro eu mesmo: o “nós”. Despertando, assim, uma dança forjada na sensibilidade, na temporalidade do corpo vivido, no visível e no invisível.
“Que sei eu?” Essa é uma pergunta que Maurice Merleau-Ponty apresenta em sua obra O Visível e o Invisível (2000), e que nos inspira a criar uma coreografia indagativa. Essa é a alternativa do filósofo à afirmação “Sei que nada sei” - instalada no ceticismo e que provoca uma dúvida que destrói as certezas. Mas as questões cotidianas estão aí, por exemplo, quero saber: onde estou? Que horas são? Questões que evocam um contexto, alguém que pergunta. Questões que são oriundas de nossas experiências como um “ser-no-mundo”. “Que sei eu?” Indaga Merleau-Ponty (2000), sem querer explicitar o que é o saber? Tão pouco quem sou? Mas, o que há? E ainda, o que é o há? Essas questões interrogam a nossa própria existência. E foi refletindo sobre a própria existência de dançarinos com cegueira que criamos uma coreografia que interroga o si e o mundo.
6.3.6 O PROCESSO COREOGRÁFICO: “Que sei eu?”
E foi refletindo sobre a própria existência de dançarinos com cegueira que apresentamos nossa proposta de videodança. Buscamos desvelar qual seria a questão existencial de cada dançarino não-visual[2] trazia em si e a partir daí criamos os blocos coreográficos. Exemplificando, o solo da dançarina Ione Bendo, intitulada Cotidiano enfatiza sua rotina, notamos que ela estrutura sua vida, buscando conhecer detalhadamente sua vida cotidiana. A coreografia Encontro com a cegueira revela a opção que o dançarino Alessandro com baixa visão opta por viver próximo de pessoas com a cegueira. A dançarina Ana Carolina, em suas freqüentes romarias com a avó ao Santuário de Madre Paulina roga: que eu possa ver os obstáculos, inspirou-nos a criar a coreografia O feminino e o Sagrado. Antonio Luiz Saretto, dribla a dureza da sociedade de lidar com a cegueira sendo dançarino e jogador de gol-ball, de seus movimentos criamos o solo Espelhamento Lúdico. Finalizamos, com a coreografia Eu e o mundo, apresentando a dançarina Taís Rodrigues, com sua vida em busca do amor, lembra que “eu e o mundo somos um no outro”.

O que nos interessa na dança é a experiência perceptiva daquilo que está sendo apreciado tanto pelo dançarino como pela platéia. O exercício da sensibilidade compreensível forjada no espaço-tempo vivido da dança. Diferente da fotografia, na dança opera a síntese que unifica os diferentes momentos temporais e um só tempo.

Um exemplo desta síntese pode ser encontrada na composição coreográfica da obra Que sei eu? interpretada pelo Potlach Grupo de Dança. No retorno das atividades conversarmos com os dançarinos do grupo sobre suas férias. Uma dançarina não-visual comentou que havia participado mais uma vez da romaria à Madre Paulina, indagamos sobre qual era o seu pedido à Santa e ela respondeu: -Que eu possa ver os obstáculos. Esse seu pedido, nos chamou atenção, e nos motivou a criar uma coreografia com gestos evocando a relação com o Sagrado. A conversa com a dançarina revela que “o futuro, na vivência da “antecipação espontânea”, é tal qual uma recordação involuntária, mas que se apresenta inteira vinda pela outra ponta, como uma síntese que se faz como inatualidade, desta vez, inédita. Husserl, na leitura de Müller- Granzotto ( 2007) admitirá, a antevisão do futuro é também uma síntese passiva de perfis inatuais. Só que eles não são necessariamente vazios. Eles são inatualidades cheias ou, o que é a mesma coisa, plenas de potencialidades. São essas mesmas potencialidades, ademais, aquelas que aparecem como horizonte de futuro de nossa motricidade. Essa última, parece simplesmente perseguir novidades.

As palavras da dançarina se tornam dança. Seus movimentos, orquestrados pela sonoridade da Ave Maria de Gounod e Bach, e um tecido transparente que lhe cobre o corpo, “há aqui uma peculiaridade, que propriamente distingue a motricidade da antecipação espontânea: para a motricidade tudo se passa como se essas novidades viessem prontas, como se tivessem sido formuladas mais além de si, um pouco antes dos gestos de procura. O que nos obriga a admitir, no caso da motricidade, um espécie de futuro que vem do passado, uma inatualidade cheia, mas indissociável de outra que é vazia, e de onde a primeira nasce qual significação: depois de compreendida a significação, nem se vêem mais as palavras pelas quais ela se manifestou.” (Müller-Granzotto, 2007, p.61-62)
De certo modo, esses episódios explicitam questões similares presentes atualmente na dança contemporânea. Que, por um lado, são muitas vezes incompreensíveis, pois novos signos estão sendo constantemente recriado, o que pode provocar estranhamento. Que dança é essa? Que movimentos são esses? Por outro lado, vale trazer à tona uma questão: se a dança é da ordem da explicação ou da descrição. Neste sentido, a percepção privilegiada de quem não vê propõe uma dança que não se explica, mas que se sente como nascente de um corpo perceptivo. Ou ainda, uma dança concebida a partir de pessoas não-visuais, interroga mais que explicita. Essa possível interrogação dançante demonstra que a experiência entre o dançarino e a platéia pode ser, sim, a de corpos entrelaçados.
Ao chegarmos neste ponto do nosso relatório aprendemos que a experiência perceptiva vivida no corpo de dançarinos com cegueira implica em superamos o dualismo ora sinto, ora penso. Uma fenomenologia da dança sugere que no tempo vivido da dança desvela-se uma atmosfera de milagre aonde o conhecer se funde com o ser, tornando encarnadas as palavras de Merleau-Ponty: eu e o mundo somos um no outro. Neste contexto surge a experiência da dança como jornada existencial. E assim indagamos, a vivência profunda com a dança possibilitaria despertar o corpo do professor para uma experiência estética?

[1] M. Merleau-Ponty, O visível e o invisível, São Paulo, Perspectiva, (1964), 2000
[2] Os termos não-visual, não-vidente são utilizados como sinônimos de cego e deficiente visual com o intuito de desconstruir os aspectos pejorativos e limitantes vinculados à experiência com a cegueira.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Whose Dance?

High Culture, Mass Culture, Urban Culture- Whose Dance?
University of Cape Town, South Africa
16-19 July 2008

The Confluences 5, which theme was the title of this conference report, invited us to think on urban culture and its engagement with contemporary theatre dance. The conference took place on 16-19 July hosted by the University of Cape Town School of Dance, chaired by Sharon Friedman, sponsored by The University of Cape Town, The Royal Netherdlands Embassy, The national Research Foundation, Cape Tercentenary Foundation and Distell. In the words of Gerard Samuel, School of Dance Director: “To all the Confluences 5 keynote speakers, presenters, and workshop facilitators, your insights will not only stimulate but provoke the necessary debate around Dance we are delighted to referee over this historic period. As dance students teachers, choreographers and dance directors Confluences 5 allows us all to celebrate in the transformative power of Dance.” The programmed proposal that in a social and political climate of globalization and the seemingly first world ease and flow knowledge, developing countries often “buy” into the contemporary social and artistic trends of other countries. This is evident in the growth of hip-hop culture and dance around the world. The Confluences 5 aimed to open for discussion, the relationship between popular culture, “high art”, and all the myriad categories/groupings in between and the manner in which they interface with the creative and education desire to journey into the ‘new territory’.
We had the possibility to debate interesting ideas on the value of contemporary dance theatre engaging forms of urban culture, Brenda Dixon Gottschild gave the keynote, titled ‘Researching performance – the (Black) Dancing body as a measure of culture’. By means of a slide lecture augmented with demonstration of her own dancing body, she examines the pervasive Africanist presence in America culture ant the socio-political implications of its invisibility. With dance as the focus and the race the parameter, she reveals Africanisms in modern and postmodern and American ballet. Other keynote speaker was Emile YX?, he is often considered to be one of the Godfathers of South African Hip Hop and continues to be an active B-Boy, MC, Graffiti artist and hip hop activist, his spokes on the understanding or overstanding hip hop and urban culture touches on the return to the humanity of all dances and its common history. Joan van der Mast, also gave a keynote where she deals with the history, the content and the relationship between Wester Modern Theater Dance and movement styles that originate from different cultures for example: Indian Dance, African Dance and classical Ballet.
Two lecture demonstration was offered in the Confluences: Daniel Renner showed us the Round Corner Technique as a dance vocabulary which uses the elements of modern dance and blends them with specific elements of street dance and hip hop. Nita Liem explored how fusion, adoption, breaking borders, migration explain landscape of working in the 21st Century. She said’: You cannot force your “language” on the people you work with; instead you must create a context from the to speak their “language,” a place where the can make their choice.” Other variety to engage in practical activity was the workshops. Maxwell Xolani Rani gave a workshop based on transforming the African traditional vocabulary into a modern form to suit the studio based atmosphere. Sandra Müller-Spude demonstrated in her workshop how we can use Laban principles and improvisation techniques to develop ‘street style’ choreography.
In the assorted subjects presented in the scholarly papers sessions I will mention some of them. An interesting case study was present by Bakare Babtunde Allen, titled Hip Hop and its growth into theatre: Drums of Freedom refers a dance Project of a final year student of Dramatic Arts Department, Obafemu Awolowo University, Nigeria. N Jade Gibson examined in he paper the contemporary Cape Jazz social dance, a ‘tradition’ in Cape Town, as dynamic and changing social practice over time, in relation to the recent emergence of Salsa dance. Lliane Loots offered a phenomenological self-interrogation of her choreographic work (and process of creating) ‘A fish out of water’ an her long term collaboration with slam/hip-hop Sotuh African poet and spoken word artist, Ewok. Kymberley Felham’s paper sets out to explore the transition of modern dance into the current contemporary trends, with an assessment of the genre as it appears on the popular televised dance compettion ‘So you think you cand dance’ (USA). In the same Session where I presented my paper ‘Dance as a journey: alterity and authenticity in education,’ more two works was examined. Firstly, Kyle DeBoer and Joni Barnard discussed them paper on the means of constructing a lesbian representation in dance through an examination of ‘gaze’ as a choreographic device. Secondly, Gerard Samuel raised many questions around the context that disability arts chiefly in South Africa to suggest a unique position for a contemporary dance by people with disabilities that profoundly rocks notions of perfection, dancing and ‘black’ bodies in dance.
Sharon Friedman opened a panel discussion in the last day of the conference, her paper attempted to raise some of the issues involved when we ask “Whose dance are we teaching in the classroom? The post-apartheid dance curriculum in South Africa is attempting to offer school learners both an education and training in dance as an art form. The question as to who is making the decision about what dance genes should be taught an in what context the decisions are being made, needs to be constantly revisited.
The Conference closed with an inspiring evening concert, were I had the opportunity to performer the solo ‘Journey.’ Where I discovered there are elements in common between a dance and a journey; both involve moving in time and in space. My participation in Confluences 5 required many journeys: an obvious one was the flight from Florianópolis in Brazil, to Cape Town in South Africa. However, there were others that are not so easy to see: the internal journeys, to become a dancer, to become a woman, and more recently to become a mother. In fact, all these are just a single journey, a journey to myself. In this journey I discovered that I am not alone. From this perspective, I presented a paper on alterity and authenticity in dance education in Brazil, also my solo. Emmanuel Levinas’ proposal of the “phenomenology of alterity” places the other at the centre of ethics. Against the egoism which all traditional ethics and philosophy as grounded, which understands my relation to myself as the primary relation, Levinas maintains that my responsibility to the other is the fundamental structure upon which all other social structures rest. To dance is an expression of freedom, but as Nelson Mandela wrote, with freedom comes responsibilities. We always dance with or for another, in this sense, we never dance alone. Dance is not a solitary activity. To the contrary, it is a movement in solidarity. To dance is a possibility to become one with other.
Ida Mara Freire
Universidade Federal de Santa Catarina

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Acolhimento da doçura

Acolhimento da doçura
Ida Mara Freire

Ao guardar na geladeira a gelatina recém-preparada. Olhei para o leite condensado no pote transparente. Decidi: vou fazer arroz doce! Li a receita e notei que leite sim, condensado não. Não convencida procurei outra receita e esta não incluía também tal doçura. Então, vamos fazer como sugerem. Pacientemente, comecei a preparar a receita. Coloquei ½ xícara de arroz de molho na água morna. Passada meia hora adicionei o arroz e as 10 xícaras de leite, com 1 pedaço de casca de limão, a rama de canela na panela e fui mexendo a colher de pau, atenta à cor, à textura. O tamanho da panela me oferecia uma sensação maternal... Cozinhou por meia hora e certifiquei que o arroz já estava macio. Acrescentei as duas xícaras de açúcar e mexendo de vez enquanto para na grudar deixei no fogo ainda brando por mais meia hora. O cheiro da canela vertia da panela, tudo fervia. Bem, ambas as receitas recomendavam colocar o arroz doce numa compoteira então escolhi uma dentre algumas. Essa escolha me fez recordar os presentes do meu casamento, que já acabara. Quando a gente está cozinhando com o coração muitas recordações ressurgem. Lavei, constatei a textura do vidro, evitei colocar no mármore. Acreditei estar seguindo corretamente as instruções. Uma concha, outra concha e crash... a compoteira se partiu precisamente ao meio. Olhei e tratei de limpar tudo rapidinho e sem pestanejar. Eu sabia, que estava aprendendo uma lição. Uma lição sobre o lugar da doçura. Com o intuito de armazenar o arroz doce restante na panela, olhei para um pote de plástico e assim procedi, sem grandes surpresas. Ele acolheu placidamente o doce quente. E seguindo diligentemente as instruções coloquei-o na geladeira. À noite me servi do arroz doce em uma das peças do conjunto da compoteira de vidro partida, esta era bem menor e mais fina, com certeza (?) eu não arriscaria colocar algo fervendo nela, como o doce já estava gelado ela não se partiu, polvilhei um pouco de canela, provei o arroz doce e estava uma delícia. Pela manhã durante a meditação ainda me indagava sobre a lição. Primeiro, me ocorreu sobre o recipiente certo para acolher a doçura. Nem, todos os recipientes são apropriados para acolher a doçura. Alguns não suportam seu calor e se partem ao meio, e temos que limpar rapidinho tudo, com o cuidado de não nos machucarmos nos cacos. Segundo, aproveitar o que sobrou, pode ser bem mais do que foi perdido. Terceiro, escolher com atenção o novo recipiente, atente-se para que ele seja flexível, para acolher a doçura quente ou fria, e ainda por cima abundante. Experimente: Na próxima vez, que quebrar alguma coisa, preste atenção em você!

World Dance Alliance

World Dance Alliance: Bridging Communities and Cultures
Toronto, Canada


World Dance Alliance is a large network, linking people from many countries, facilitating international exchanges and encouraging dialogue among all people in dance. It was the first time a Global World Dance Alliance Assembly was held in Toronto, Canada. The 6th Assembly took place on 17-21 July hosted by the York University Dance Department and the Society for Canadian Dance Studies, chaired by Mary Jane Warner. All activities took place in the recently opened Accolade East Building with proscenium theatre, eight studios, numerous lectures and seminar rooms. Over twenty two countries were represented by participants attending the Assembly, including dancers, choreographers, educators, researchers, writers, presenters, administrators, artistic directors, and others. The theme Dance/Diversity/Dialogue: Bridging Communities and Cultures ran through all threads of the Assembly. Each day was filled with both evening and lunch-time performances by over 30 dance companies and artists; specialist dance workshops; networking sessions; and presentations by over 100 speakers.

The performances with Canadian and International dance artists began with a spectacular opening ceremony featuring local dance groups in a series of circle dances. During the week it was possible to appreciate dance groups such as the African Dance Ensemble, a multi ethnic performing group, which aims at sharing the African traditional experience of dance, drumming and songs with the world. Eryn Dace Trudell and David Flewelling presented the Cosmopolit and Snuffelupagus duet, based on Contact Improvisation exploring the dynamic of caring for and attending to another individual’s physical and emotional needs.
The choreography, Elmer & Coyote, performed by the Karen Jamieson Dance Company with Byron Chief-Moon, caught my attention, since it was the first work with these artists performing together in a fusion of aboriginal story telling and post modern dance. The story was developed to reveal the dilemma of an aboriginal man in contemporary life and his initiation into a new state of awareness. Moreover, the theme of creation came full circle from the ancient timelessness of a creation myth to the absolute present of a contemporary creation. To see the performances by Debra Brown and Dancers, Troy Emery Twigg and many others artists from or based in Canada, gave us a sense of the dialogue into diversity.


Some of the dance companies present in the Assembly captured the viewers with their style of the dance or the virtuosity of the dancers. Such an example was, An Angel at my Table, performed by Dance Theatre Group Interact (Cyprus). In this choreography everything appeared to be in the right place: the scenario, costumes, music and dancers creating a sense of harmony and an atmosphere rarely found in contemporary dance. However, Tai Pei Dance Circle, (Taiwan), captivated the audience when they performed selected parts of their work, Olympics. This choreography presented dance as a sports event. The dancers were scantily dressed with baby oil on top of a transparent frictionless plastic carpet. They also waded elegantly like graceful water ballerinas, glided like skiers, and paused in moments of stillness resembling modern statues. In addition, during the lunch break it was possible to see Las Madres, a choreography presented by Danza Abend (Costa Rica), whose theme was on the feelings that accompany a mother after she loses a child to war or to an injustice.
For those looking for enjoyment, socializing, or an improved movement vocabulary, there was the workshop, Designing Classes for the Mature Dancer. In this class Wendy Chiles advised participants how to express themselves and create dance. But, for those interested in exploring many different possibilities the Embodiment: Butoh-based training and Improvisation workshop by Denise Fujiwara was the place where a single step could be simultaneously simple and sophisticated. Rhonda Ryman taught us how to make computer choreography fun and easy. Firstly pick a dancer, after that set a starting position and play with the timing, that was one of the many steps learnt in, Dance with DanceForms: creating & conserving choreography by computer. For more information look at http://www.danceforms.com/. These were just a few examples of the many workshops carried out during the week, which closed with, Circles on the Silk Road: A Journey of Sacred Circle Dances by Sashar Zarif, that captived us with the mystical mood and joy of dance which can be a ritual and also tell a story.

Adrienne Kaeppler gave the keynote, titled, Ballet, Hula and Cats: Dance as a Discourse of Globalization. First of all, the speaker discussed how dance became an international word. She also questioned what happens when dance systems crossed the world. In comparing Ballet, Hula and Cats she argued that these became widely accepted as a system of movement. She concluded that the audience creates cultural meaning from its own conception of culture, and from this point of the view, dance became a global discourse.

The paper presentation sessions covered many themes and subjects, and almost all of the speakers had plenty of time to present and discuss the paper. Many sessions had a cultural context focus such as, Dance in the Americas, Canada, India and Asia, Iran and Turkey. I presented a paper as part of a session titled, ‘Community Connections’. The paper aimed to investigate the nature of dance and the implications for teaching youths and adults with blindness, and the teaching of dance in Brazilian public schools. Another presenter in this session was Freda Crisp, who offered the dance history of the introduction to a group of seniors, both women and men, with an average age of 81, who attended weekly dance classes at the YWCA Senior Active Living Centre in Hamilton, Ontario, Canada. In addition, some specific themes were discussed in the session, Theoretical Considerations. Bridget Cauthery presented a reflection on ‘trance experience and modern dance’, drawing from interviews with selected modern dance artists, addressing the ways in which trance, as defined within ethnographic literature, has been both simultaneously overlooked and misconstrued. In the same session Maxime Heppner provoked us to consider actual choreographic forms and information from interviews with several artists on how to use analysis and pure experience as tools to create, perform in and also view dance.

For those who came early, there was the opportunity to participate in the pre-conference presented by Kaha: wi Dance Theatre and organized in partnership with the WDA Global Assembly. Living Ritual: World Indigenous Dance Festival was a three day event which took place July 14-16, 2006 at York University in Toronto and the Woodland Cultural Centre, Ontario. Living Ritual was an international forum where current issues in global Indigenous dance, professional development, artistic investigation and dance education was further discussed. I had the opportunity of listening and seeing diverse contemporary and traditional Indigenous dance by renowned artists and groups, including Tewa Dancers and Singers of the North, Le-la-la Dancers, Kaha:wi Dance Theatre, Earth in Motion Dance, Byron Chief-Moon, Daystar/Rosalie Jones. Many aspects of aboriginal dance were discussed during the event, for instance, the importance of dance from ceremony to the stage; the feminine and the sacred in dance; contemporary dance and indigenous aesthetics; authenticity issues; defining traditional and contemporary dance. Living Ritual was an international celebration of diversity through Aboriginal dance. Performances, workshops, collaborations, panel discussions, master classes and dialogue fostered cultural exchanges, promoting a greater understanding of Aboriginal artistic expression and engaging new audiences for the evolving field of Aboriginal dance.


The week culminated with a Garden Party performance by 100 young people who participated in an intensive workshop led by Karen and Allen Kaeja, followed by a banquet at Black Creek Pioneer Village, a 19th –century village where many people enjoyed themselves with Morris dancing.



Ida Mara Freire
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil

Babuska Multiocular

Babuska Multiocular

Ida Mara Freire*

Se leio com prazer uma “tese”, é porque foi escrita no prazer. “Escrever no prazer me assegura – a mim, escritor – o prazer de meu leitor? De modo algum, assegura Barthes. Esse leitor, é mister que eu o procure ( que eu o “drague”, sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica criado. Não é a “pessoa”do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo.”


Ao ler a tese de Ana Beatriz Bahia Spinola Bittencourt intitulada Jogando arte na Web: educação em museus virtuais, orientada pelo professor Wladimir Antônio da Costa Garcia e defendida na tarde de vinte um de agosto de 2008, ocorreu a imagem da “Babuska”, tanto pelo processo de formação da autora dentro do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC, considerando os vários momentos que submeteu seu texto para apreciação, como também, pelo estilo de escritura dessa última versão.

O que me chama atenção na Babuska é a sua multiplicidade acolhedora, seus espaços, o encaixe, e a revelação do outro dentro de si. Deste modo, para compreender seu texto deve se aplicar a “Lei dos Espaços em Branco”. Conta-nos Laurence Freeman que um rabino foi abordado por um grupo de alunos seus que haviam discutido entre eles o significado de uma parte difícil da Torá. Ele pediu-lhes que lhe mostrassem a página e, então perguntou o que viam ali. As palavras sobre as quais discutíamos, responderam eles, as marcas negras na página. Certo, respondeu ele, as palavras contêm a metade do significado. Os espaços em branco entre as palavras são o local onde se deve encontrar a outra metade do significado.” Para esse momento vou me deter no espaço multiocular presentes em seu texto-babuska .

Babuska I: Olhar nômade migra-se em busca de um lugar entre o certo e o incerto do ato de educar, trânsito gustativo de bolhas de ar de um chocolate aerado, saboreia uma sensibilidade aguçada como o tato de Gadamer que nos ensina que a “tradição é algo que só pode ser conhecida pela experiência coletiva”- Deglutição.

Babuska II: Na leitura do Campo 1 “outros sentidos” transformam o olhar em um olhar tátil: do ver melhor para o ver diferente, de modo que a diferença aqui tem sua vez.

Babuska III: O olhar atual do museu virtual fez a autora voltar a origem, um revoar sugestivo, do tipo de “viver de trás para frente”, isso pode causar assombro como aconteceu com Alice, “porém, existe uma grande vantagem nisso”, palavra de Rainha. É isso que se propõe a quem ler esse texto: perceber as vantagens de se aprender arte, inclusive na web. Longe de tentar seduzir o leitor e a leitora dos benefícios da virtualidade, o que temos é um convite dadivoso da arte em museus. Também não se trata de Arquivos da memória com a versão na web como o site-arquivo. Mas, sim do museu como um lugar de sustentação da consciência finita. Nesse lugar as obras de arte são porosas aos afetos do espectador.

Babuska IV: Olhar labiríntico. O paradigma do ver sem olhar de Oiticica. O museu é o mundo “(...) as pessoas não se constrangem diante do que as espera, estão disponíveis ao que as circunda e disposta a explorar o desconhecido, então acham “coisas”que costumam ver, mas que jamais pensavam procurar, e procuram a si nessas coisas.” Complementarmente, Jordan Crandall ao comentar sobre o Parangolé escreve: “Vestir”o Parangolé ou a interface do computador ( ou o ambiente que aparentemente está por trás dela) é fundir corpo e tecnologia, a fim de entender corpo e sociabilidade e integrar sujeitos, corpos e formações sociais em um processo de construção e habitação do espaço.”

Babuska V: O olhar inquisidor- Se o museu é o espaço de enfrentamento da morte, como reflete Ana Beatriz com Mário Chagas, o jogo de Bosch se mantém coerente com tal proposição. “Ao trazer a possibilidade do jogador imergir num ambiente pautado por valores e práticas com as quais Bosch se relacionou enquanto construía suas obras”, dentre elas as decisões individuais frente à sentença final.

Babuska VI : O olhar do amor: o museu como um lugar de histórias que contém outra história que contém outras histórias... que nos mantém vivos. “E a aurora alcançou Sherazade, que parou de falar. Dinarzad lhe disse: “Como é agradável e prodigiosa a sua história, maninha”. Ela respondeu: “Isso não é nada comparado ao que vou contar-lhes na próxima noite, seu eu viver e se Deus altíssimo quiser”. Michel Foucault ao pensar em as Mil e uma noites comenta que: “falava-se, narrava-se até o amanhecer para afastar a morte, para adiar o prazo deste desenlace que deveria fechar a boca do narrado. (...) é o avesso encarniçado do assassínio, é o esforço de noite após noite para conseguir manter a morte fora do ciclo da existência.” - Eis que chegou o tempo de jogar conversa na web por puro prazer.

A tese se encontra disponível na biblioteca do Centro de Ciências da Educação da UFSC e no site do programa http://www.ppge.ufsc.br/

Lista de alguns links para 7 jogos de museus de arte. Eles foram abordados na tese e permanecem online:

“A terceira face da carta” (Arthur Omar e Matteo Moriconi), Museu Virtual de Arte Brasileira: http://www.museuvirtual.com.br/jogos/memo_ao.html
“Los enigmas de Educa Thyssen”, Museu Thyssen Bornemisza de Madri: http://www.educathyssen.gentedemente.com/fases.php
“Guido contra el señor de las sombras”, Museu Thyssen Bornemisza de Madri: http://www.educathyssen.org/pequenothyssen/aventuras2.html
“Memento Mori”, Tate Gallery de Londres: http://www.tate.org.uk/kids/mementomori
“Art Dectetive: the case of the mysterious object”, Tate Gallery de Londres: www.tate.org.uk/detective/mysteriousobject.htm
“Dutch Dollhouse Interactive”, National Gallery of Art de Washington: http://www.nga.gov/kids/zone/zone.htm#dollhouse
“Wildlife Art”, National Gallery of Art de Washington: http://www.wildlifeart.org/Frame_HomePage.cfm


(*) Professora do Centro de Ciências da Educação da UFSC
As amarras do outro
Por Ida Mara Freire(*)

Ao ver uma bateria de instrumentos de percussão no palco, o espectador apreciador da dança saberá de antemão que se trata de uma dança contemporânea. Sendo assim, o imprevisto e a improvisação e outros elementos poderão estar presentes no espetáculo Percepção do outro, da Siedler Companhia de Dança, composta por Elke Siedler, Maria Carolina Vieira e Thiago Schmitz.

Os traços comuns entre o ballet e a dança moderna são identificados por José Gil a partir de três princípios: o princípio da expressão almeja que os movimentos sejam expressão das emoções; um segundo princípio, de sublimidade, afirma o primado do céu e do inteligível sobre o sensível; e o princípio de organização, que torna o corpo do bailarino, ou do grupo de bailarinos, um todo orgânico cujos movimentos convergem para um fim. A dança contemporânea rompe com tais princípios, ao recusar as formas expressivas, e apostar o descentramento do espaço cênico, a independência da música e dos movimentos, a introdução do acaso na coreografia, como bem faz Merce Cunningham.

Em gestos erigidos na improvisação e no imprevisível, Elke Siedler concebe e dirige Percepção do outro. A definição de improviso abarca o efeito súbito, e elucida que algo foi realizado sem preparação prévia. Improvisar na dança, ao contrário de que muitas pessoas pensam, não significa apenas soltar e relaxar no fluxo de uma dada seqüência de movimentos. Vai mais além: improvisar um gesto dançante requer a intuição da experiência do movimento. Aquela intuição entendida por Henri-Louis Bergson como “a simpatia pela qual nos transportamos para o interior de um objeto para coincidir com o que ele tem de único e, conseqüentemente, de inexprimível”.

O foco da cena está em perceber o outro. A luz dirigida por Rafael Apolinário permitiu, a quem assistiu ao espetáculo, a distinguir o movimento relacionado com cada elemento presente no cenário. Num jogo de luz e sombra, um foco ativo insinuava uma direção sinestésica: o som do Rock and roll de Alexei Leão, as almofadas vermelhas e pretas de diferentes formatos e tamanhos, os pés calçados ou não.

O trabalho corporal dos integrantes da Siedler Companhia de Dança se inicia durante as oficinas de dança que a coreógrafa Elke Siedler oferece no CIC – Centro Integrado de Cultura. É neste contexto que ela escolhe os dançarinos e os prepara para um espetáculo. O ensino da dança torna-se um fator relevante nesse processo, pois possibilita que Siedler pesquise e desenvolva uma linguagem específica, oriunda de outras experiências de movimento vertidas da própria dança ou das artes marciais, por exemplo. Há também um preparo do corpo do dançarino, pautado na Yôga e Pilates. A coreógrafa criou o espetáculo Percepção do Outro levando em conta a experiência de cada um de seus dançarinos: Maria Carolina, além de sua experiência como ginasta rítmica, também estuda teatro; nos gestos híbridos de Thiago Schmitz identifica-se a dança de rua.

Esse processo se assemelha muito ao da coreógrafa estadunidense Anna Halprin. Interessada em contrapor movimentos estabelecidos a priori para uma coreografia, Halprin explora a alternativa de construir estruturas de movimentos improvisados para suas performances. Ela percebe, por um lado, a improvisação como possibilidade de desenvolvimento pessoal para o dançarino, e por outro, um modo de colaboração entre dançarinos e coreógrafos. Com isso, expande a noção modernista de subjetividade, formalmente aplicada à investigação do coreógrafo. Nessa sua proposição, cada dançarino explora sua própria subjetividade. Além disso, tem-se a possibilidade de tornar o processo de criação visível para a platéia.

O que acontece com o espectador ao ver o outro dançar? Mentalmente poderia planejar um futuro, vinculado ao gesto passado, antecipando ações desejáveis. Mas seria assim capaz de prever que o corpo será protegido por uma almofada, ao chegar ao chão? Talvez a composição coreográfica vislumbre um caminho bem traçado no palco, mas a improvisação é uma entrega ao imprevisto e ao improvável. Deste modo, o improviso é tão consistente quanto a percepção, são tramas da mesma tecelagem gestual.

As mangas longas de um dos figurinos, os fios de cabelos alcançam o outro. Os tentáculos tateantes estão atados a nós, da mesma maneira que estamos enlaçados em nós mesmos. Ainda que possamos perceber tais amarras ora como empecilhos para a nossa liberdade ora como degraus para a nossa comodidade, o outro se configura como passos no abismo em direção a uma ambígua felicidade. Nesse espaço vital da existência humana criamos pontes – dançamos. Clarice Lispector, dedicada a perceber o outro eu, veio-me à lembrança ao escrever este ensaio.

Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu.
Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil.
Minha experiência maior seria ser o outro dos outros:
e o outro dos outros era eu.

Seria a percepção do outro regulada pelo aprisionamento e pela incerteza? Num momento abraçados pelo gesto de braços e mãos ausentes, distanciamento do corpo. O que restou do amor. Em instantes um travesseiro nos é dado para amortecer a queda. Surpreendidos com o movimento que revela um cuidado, confortavelmente reconhecemos a sensibilidade acolhedora do outro com a nossa dor. Somos verdadeiramente livres dos outros? Embora a liberdade seja uma opção, ela não elimina o risco, requer uma decisão contínua que se renova no transcorrer dos acontecimentos favoráveis e desfavoráveis, reflete Nicola Abbagnano. “Ser livre”, escreve esse autor, “significa manter-se fiel a si mesmo, não traindo o próprio dever e salvando a seriedade e a consistência do mundo e a solidariedade inter-humana”.

O sentimento que fica após assistir esse espetáculo é de se tentar “calçar os sapatos do outro” ou até mesmo se colocar naquele lugar do corpo do outro, e assim indagar: poderemos caminhar juntos?


(*) Professora do Centro de Ciências da Educação da UFSC. Diretora e coreógrafa do Potlach Grupo de Dança. Escreve ensaios sobre diferença, dança e cegueira.